(fonte: http://www.1000-maerchen.de)
Talvez o leitor não conheça ou não se lembre do cidadão da imagem acima. É lamentável que um escritor talentoso como ele não seja tão lembrado quanto seus compatriotas alemães.Sim,ele era alemão e se chamava Wilhelm Hauff e,à semelhança dos irmãos Grimm,também se dedicou a coletar e criar alguns dos mais apreciados Märchen. Essa designação é menos popular que fairy tales ou contos de fada, porém diz muito mais do que estas duas. Como bem explicou Max Lüthi, "As palavras alemãs <Märchen, Märlein> (do alemão medieval maerlîn) são formas diminutivas de <Mär> (do alemão medieval alto, mârî; do alemão medieval, maere, feminino e neutro, informação, notícia, narrativa, rumor); designavam, portanto, originalmente uma história curta. Como outros diminutivos, foram desde cedo submetidos a uma depreciação do sentido e empregados para histórias inventadas, não verdadeiras."Vejamos:inicialmente,uma história curta.O estudioso suíço supracitado,em suas obras sobre os Märchen,acrescenta outros fatores comumente ignorados – intencionalmente ou não - pelo cinema e por outros meios de comunicação:nem sempre as narrativas têm finais felizes,eram mais voltados para adultos do que para crianças,nem sempre seu objetivo é entreter,nem sempre a mulher simboliza a pureza absoluta e não é raro os "vilões" levarem a melhor.Tais verdades são mais do que suficientes para demolir as versões açucaradas dos contos de fada que vemos às centenas hoje em dia.Atualmente,mais do que na época de Charles Perrault,há quem acredite que as crianças(e eventualmente os adultos)devem ser poupados dos detalhes violentos,melancólicos e macabros dos contos de fada.Ainda assim,o próprio Perrault,um burguês que escrevia para a burguesia com toda a cautela para não perder os favores dessa classe e da nobreza,não omitiu pormenores horripilantes como canibalismo e assassinato.Pouco mais de oitenta anos após o falecimento do escritor francês,dois irmãos nasceriam e tornariam ainda mais populares,inclusive no meio acadêmico,os Märchen.Também burgueses que escreviam para um público cada vez mais exigente,Wilhelm e Jacob Grimm dedicaram suas vidas à coleta e à composição de contos de fada.Tiveram o cuidado de serem menos explícitos no que dizia respeito à crueldade da existência em suas narrativas,uma vez que precisavam de seus empregos e seus patrões eram imprevisíveis e não gostavam muito de serem questionados.Mas nelas estão camuflados,aqui e ali, em maior ou menor grau,todos os dilemas que o ato de viver traz ao ser humano.
Hans Christian Andersen usou todo o seu talento e sensibilidade para compor
seus contos de fada.O dinamarquês mais querido do mundo por crianças e adultos
jamais fez questão de tirar o elemento melancólico de seus escritos.Ele chegou
mais perto da essência dos Märchen que seus predecessores. Andersen,ele mesmo
muito tímido e dado à introversão,teve crises de depressão e sofreu desilusões
amorosas que o marcaram profundamente.É impossível negar a imensa tristeza
presente nos contos "A Vendedora de Fósforos" e "O Soldadinho de
Chumbo".Seus contos são numerosos,seria inviável discorrer sobre todos
aqui.No geral,porém,têm finais tristes.E há quem diga que o próprio Andersen
criou o patinho feio à sua imagem e semelhança. Coincidência? Talvez. O
intercâmbio entre fantasia e realidade, porém, é mais freqüente do que se
supõe, como bem observou Antonio Candido em A Literatura e a
formação do homem: (...) a
fantasia nunca é pura. Ela se refere constantemente a alguma realidade:
fenômeno natural, paisagem, sentimento, fato, desejo de explicação, costumes,
problemas humanos, etc.
Mais perto de nosso século está o ganhador
do Prêmio Nobel de Literatura,Hermann Hesse.Esse alemão da floresta negra é
mais conhecido por seus romances Sidarta e O Lobo da Estepe,mas sua
criatividade também se fez notar na produção de Märchen.Seus contos de fada não
têm finais felizes de acordo com a expectativa de muitos- e nem por isso deixam
de ser belíssimos.São enigmáticos,têm um toque de melancolia somada à reflexão,bem
ao estilo do escritor oriundo da floresta mais lembrada quando se fala em
contos de fada. O ambiente montanhoso e onírico, os lagos tranqüilos e
límpidos, as viagens para o interior do si mesmo, a relação ora amena ora
conflituosa entre homem e natureza, tudo isso e outros fatores compõem os
Märchen de Hesse. Os contos Curiosa
Narração sobre Uma Outra Estrela, Sequência de Um Sonho e Metamorfose,
presentes na edição brasileira Sonho
de uma Flauta e outros contos, são perfeitos para quem quiser conhecer o
outro lado talentoso do criador de Demian.
Os estudos
de psicologia analítica de Carl Gustav Jung destacam a importância das
religiões e das mitologias para a psique humana. Os Märchen ocupam lugar
especial nos escritos do médico suíço e nos trabalhos de uma de suas
colaboradoras mais brilhantes, Marie-Louise von Franz. Ela, mais do que ele,
escreveu obras exclusivamente focadas na análise e na interpretação dos contos
de fada. Seus livros transbordam erudição e sensibilidade sendo, à sua maneira,
quase ‘’contos de fada científicos’’. Vale a pena conferir a produção da colega
de Jung. Não é de hoje que contos de fada são utilizados como recurso
terapêutico e algumas realidades, segundo Mircea Eliade, só podem ser
compreendidas mediante a análise dos mitos, imagens e símbolos que integram a
individualidade do ser humano. Bruno Bettelheim que o diga...
Voltando às terras
alemãs, uma ótima notícia para admiradores e estudiosos dos Märchen: em
Regensburg foram encontrados quinhentos contos fada do historiador bávaro Franz
Xaver Von Schönwerth. Formado em Direito, funcionário do governo e depois
nobre, esse contemporâneo dos Grimm passou décadas coletando relatos orais,
costumes e tradições populares da região do Alto Palatinado. A fama de Jacob e
Wilhelm, contudo, obscureceu o trabalho de Von Schönwerth por mais de 150 anos.
Sua produção ficou quase que totalmente conhecida apenas por especialistas, até
que a pesquisadora Erika Eichenseer decidiu reparar essa injustiça. Com a ajuda
de outros especialistas, ela fundou em 2008 o Franz Xaver von Schönwerth
Society a fim de divulgar o trabalho desse autor e incentivar mais pesquisas
sobre o mesmo. Já é possível encontrar bons estudos sobre Von Schönwerth, e
quem lê alemão e quiser apreciar seus Märchen pode procurar o livro Aus der Oberpfalz – Sitten und
Sagen.
O Brasil também herdou o legado dos
Märchen. A influência lusitana naturalmente trouxe para cá contos de fada e
outras tradições populares portuguesas, mas alguns de nossos escritores foram
completa e diretamente influenciados por alemães e franceses.Sem abrirem mão de
sua criatividade, Guimarães Rosa, autor do belíssimo Fita Verde no Cabelo e Monteiro Lobato, artífice da amável
Dona Benta, escreveram contos de fada que encantaram gerações. A
ítalo-brasileira Marina Colasanti é um exemplo mais atual. Seus contos são
profundos, cheios de misticismo e linguagem simbólica.Sua obra Uma Idéia Toda Azul, lançada em
1979, foi muito elogiada e premiada e segue sendo recomendada a crianças,
jovens e adultos. O leitor muito ganha se também conferir os livros Doze reis e a moça no labirinto do
vento e Longe Como o Meu Querer.
O
psicanalista, filósofo e teólogo Rubem Alves, mais conhecido por suas obras
relacionadas à educação e ciência, é um excelente contador de histórias,
algumas delas autênticos Märchen. Sejam criações próprias, sejam releituras
feitas pelo mineiro de Boa Esperança, o fato é que seus contos de fada(não sei
se ele concordaria com essa nomenclatura,mas...) chamam o leitor à reflexão e à
auto análise sem caírem na bobagem do falso moralismo. Um pouco da boa e velha
mineirice dos contadores de causos de antigamente está presente nos textos de
Alves, deixando-os ainda mais aprazíveis. Que o leitor procure A Menina e O Pássaro Encantado, A Árvore e A Aranha e A
Planície e o Abismo. É uma pena que esse brilhante escritor tenha encerrado
suas atividades como cronista da Folha de São Paulo.
Tanto se falou aqui sobre Märchen e, no entanto, pouco se disse sobre o rapaz
da ilustração já mencionada. Apenas o nome e a nacionalidade. Pois bem: Wilhelm
Hauff nasceu em Stuttgart e, assim como Álvares de Azevedo, morreu muito jovem
aos 25 anos em 1827. Estudou na Universidade de Tübingen e trabalhou como tutor
e jornalista. Escreveu alguns poemas e um romance histórico, Lichtenstein, em virtude da
influência romântica de Walter Scott. Mas foram os Märchen de Hauff que o
fizeram mais conhecido e lembrado .O Califa Cegonha(Kalif Stork) e O Conto do Navio Fantasma (Die Geschichte von dem
Gespensterschiff) são um
bom começo para quem se dispuser a lê-lo. Não há muito de sua obra disponível em português. Para
quem lê alemão, várias editoras alemãs publicam os Sämtliche Märchen de Wilhelm
Hauff. O leitor pode ficar à vontade para escolher edições comentadas,
ilustradas ou as mais simples. O importante é deixar-se embevecer pela
atmosfera mística e mítica do gênero fantástico.
Parabéns pela iniciativa
ResponderExcluirdo Blog, meu filho!
Sucesso!