domingo, 8 de julho de 2012

Idioma e fascínio


                                                     Idioma e fascínio


                                       


   É bem possível que Elias Canetti (1905-1994) não tenha sido o primeiro a usar a expressão die Zaubersprache (a língua mágica) para referir-se ao idioma alemão. Mas é inegável que o trabalho desse romancista tornou-a mais famosa. O mundo atual vive sob a égide do inglês, ferramenta mais do que útil para os muitos contextos de hoje. Entretanto, a língua alemã tem algo em si que encanta, fascina, enleva, uma beleza idiomática capaz de atingir até os que a desconhecem. Seja na forma de poema, romance, música ou simples diálogo, o alemão fascina. Há quem se expresse por meio dele porque escolheu fazê-lo. Alguns autores geniais que escreveram em alemão não eram alemães; porém, adotaram o áspero e belo idioma germânico como sua pátria espiritual.
   Comecemos por Elias Canetti. O autor de Auto de Fé (Die Blendung) era búlgaro e judeu de origem sefardita. Cresceu num ambiente onde se falavam várias línguas, dentre elas o ladino, idioma judeu-espanhol herança de seus ancestrais. Aos oito anos de idade ele presenciou seus pais conversarem numa língua que lhe era incompreensível, mas encantadora. Sim, era alemão, mais especificamente o alemão vienense, uma vez que o casal havia estudado na Áustria. Canetti logo se mudaria com a família para a Inglaterra, mas ficaria pouco tempo lá. Após o falecimento de seu pai ele vai para Viena, onde fica até a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Muda-se, então, para a Suíça, de onde parte para estudar Química em Frankfurt, Alemanha. Em 1938 acontece o infeliz Anschluss, que obriga Canetti a ir para Londres, cidade na qual viverá até a década de 1970. Fluente em muitas línguas, Canetti escolheu o alemão para tornar memoráveis suas obras. Em tempo: a frase die Zaubersprache está na autobiografia A Língua Absolvida (Die Gerettete Zunge).
   O franzino Franz Kafka (1883-1924), que dispensa maiores apresentações, era natural de Praga quando essa magnífica cidade fazia parte do então poderoso império Austro-Húngaro. A germanofilia era forte no meio intelectual e social freqüentado pelos familiares e amigos do jovem Kafka, que já falava alemão desde a infância. Na universidade, onde se formou em Direito, as aulas eram também ministradas nesse idioma. Não havia fuga possível. Todo o mundo grotesco e distorcido de Kafka foi transposto para o papel em língua alemã.
   Outro súdito do extinto império Austro-Húngaro, Sigmund Freud (1856-1939) amou sobremaneira o idioma alemão e fez dele mais do que um veículo para disseminar suas idéias. Seu amigo,e depois inimigo,Carl Gustav Jung era oriundo de Zurique, na Suíça, e suas obras foram igualmente escritas em alemão com um toque especial: as singularidades da variante desse idioma falado em terras suíças.
   Se listasse aqui os numerosos não-alemães, incluindo brasileiros, que se utilizaram da língua alemã para evolução do conhecimento, o artigo se tornaria longo e enfadonho. A guisa de conclusão cito apenas a austríaca Elfriede Jelinek, laureada com o Nobel de Literatura em 2004, e a romena Herta Müller, ganhadora do mesmo prêmio em 2009. Como estudante de Letras-Alemão, tenho muitos motivos para crer que a língua alemã seguirá conquistando adeptos e fascinando leitores e escritores de todo o mundo.

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